Caminho Português de Santiago

Sé Catedral do Porto, dia 11.Agosto.2010, 07.50 horas, que comece a aventura...
Que comece é uma maneira de dizer pois qualquer viagem começa muito antes da partida, com todos os preparativos e afins. Esta seria uma viagem diferente. Pelo meio de transporte - bicicleta -, porque o fundamental não é o destino mas sim o caminho que é percorrido para lá chegar, porque iria despojado de todos os luxos levando apenas o essencial, porque sim, porque quero e porque gosto. Depois de tudo preparado, durante a breve viagem de comboio entre Ovar e Porto (S. Bento) apenas tinha 2 certezas: de que iria começar o Caminho em breve na Sé Catedral do Porto e de que o pretendia terminar na Sé Catedral em Santiago, tudo o resto era uma incógnita. O espírito, tal como havia lido na net, era "amigo não faça o Caminho, deixe que o Caminho o faça a si".
No primeiro dia o Caminho foi ganhando interesse à medida que fui deixando para trás as zonas mais citadinas do Porto e da Maia e fui entrando nas zonas mais rurais. Os kms iam passando e cada vez mais começava a sentir que o Caminho me começava a preencher. Rapidamente cheguei a S. Pedro de Rates e fiz questão de ter o selo deste albergue na minha Credencial.
As setas amarelas, tal como os peregrinos - essencialmente caminheiros estrangeiros - iam-se sucedendo, umas atrás das outras, as paisagens e o percurso mantinham o interesse com algumas subidas, cursos de água, single tracks, etc. e, quando dou por mim, começo a sentir alguma fome. Não era de admirar, o relógio marcava 15 horas, decidi parar na próxima oportunidade - Ponte de Lima. Calhava bem que assim retemperava forças antes da famosa subida da Labruja - e que subida meus amigos!... Assim foi, depois de almoçar numa das esplanadas voltadas para o rio Lima, era altura de continuar o Caminho. Uns kms depois lá estava ela, altiva, imponente, como que a desafiar todos aqueles que a ousam subir. Qual Adamastor e o seu Cabo das Tormentas... E a verdade meus amigos é que só há 2 formas de fazer esta subida até à Cruz dos Franceses: ao lado dela ou por baixo dela. É impossível subir pedalando na bicicleta. Eu optei por subir ao lado dela, empurrando-a com todas as forças até alcançar a glória final.
Daí até S. Pedro de Rubiães foi um instante e, como já tinha 118 kms percorridos desde o Porto (8.15 horas a pedalar), como já não era muito cedo e como ainda faltavam cerca 20 kms para Valença decidi pernoitar neste Albergue. Em boa hora o fiz. Além do Albergue ter boas condições, o ambiente era fantástico. Havia pessoas dos mais variados países - Polónia, Alemanha, Inglaterra, Itália, Espanha, etc. - e os momentos aqui passados foram fantásticos. De manhã, por volta das 4 horas já havia movimento na camarata. Os caminheiros levantam-se bastante cedo para começarem igualmente cedo a etapa. Eu fiquei mais um pouco e comecei a pedalar às 7 horas, tinha nascido o sol à poucos minutos.
No segundo dia os primeiros minutos foram um pouco dolorosos. Não tive problemas com as pernas, essas portaram-se bem, mas o rabo dorido dos kms feitos no dia anterior queixava-se cada vez que me sentava. Nada que já não estivesse à espera mas ainda assim desagradável. Neste aspecto há que ter em consideração ao material utilizado. Escolham bons materiais (quer calções quer selins). E, já que estamos a falar de materiais, um louvor para o meu material. Quer o suporte quer os alforges portaram-se lindamente durante todo o Caminho, permitindo-me uma liberdade tal que, se não fosse o peso, até me esquecia que eles lá estavam. A bicicleta, essa, apesar de ter feito o seu melhor e de se ter portado lindamente (não tive nenhum problema mecânico - desde já agradeço ao Fernando da Garagem Paciência pela assistência prestada -, apenas tive um furo - rapidamente resolvido - já quase a terminar o segundo dia) condicionou-me um pouco em alguns locais mais técnicos. Talvez esteja na altura de eu pensar em fazer um upgrade...
Neste segundo dia, cedo, cruzei o rio Minho e entrei em terras espanholas - Tui. Aqui as setas amarelas quase deixam de existir e o Caminho passa a ser marcado com as famosas vieiras.
Ao longo do Caminho apenas encontrei 2 grupos de ciclistas, ambos portugueses por sinal. Um era constituído por 3 elementos de Esposende que iniciaram o Caminho em S. Pedro de Rates (onde nos encontrámos pela primeira vez) e com quem me ia cruzando de vez em quando, tendo inclusivamente pernoitado também no Albergue de S. Pedro de Rubiães. O outro, com 6 elementos da zona da Trofa, encontrei-os pela primeira vez no Albergue onde pernoitei. Estava eu a instalar-me quando eles chegaram, carimbaram as Credenciais, e seguiram para Valença onde pernoitaram. Neste segundo dia de Caminho, estava eu a sair do Albergue de Pontevedra após carimbar a minha Credencial e voltei a encontrar o grupo da Trofa. Depois de trocarmos umas palavras seguimos juntos em direcção a Caldas de Reis onde eu tencionava dormir. Eles ainda iam até Padrón. Os 20 kms que separam Pontevedra de Caldas de Reis passaram rapidamente (poderiam ter passado ainda mais rápido se eu não tivesse tido um furo). Eu tencionava ficar pois já tinha mais de 100 kms feitos mas eles lá insistiram e acabei por ir com eles até Padrón. Por um lado era melhor pois ficávamos com pouco mais de 20 kms para percorrer no outro dia até Santiago, por outro lado, além do cansaço do dia, começava a ficar tarde e isso dificulta a entrada nos Albergues que têm uma capacidade limitada. E assim foi, quando chegámos ao Albergue de Padrón estava cheio. Ir até Santiago era demasiado, voltar para trás nem pensar, então há que procurar alojamento em alguma pensão. Mas até aí foi difícil, dado sermos 7 pessoas. Ao fim de algumas tentativas lá conseguimos um local onde por 20€ tivemos direito a banho quente, cama lavada e (muito) jantar. Querem melhor? Obrigado Manolo! Neste segundo dia fiz 130 kms, tendo pedalado 9.15 horas.
O último dia foi pacífico. Os poucos kms de Padrón a Santiago (28 kms) foram percorridos em 2.30 horas e a meio da manhã já lá estávamos. Havia percorrido 276 kms, 20 horas a pedalar desde que saí do Porto até Santiago. Já em Santiago a maior dificuldade foi mesmo chegar à Praça do Obradoiro tal era a quantidade de pessoas.
Depois das tarefas habituais (fotos, recordações, etc.) era hora de voltar. O comboio que liga Vigo ao Porto parte ao final do dia e não tem grandes constrangimentos mas o que liga Santiago a Vigo é conhecido por ser mais complicado. E assim foi. De Santiago para Vigo apenas podem viajar 3 bicicletas em cada comboio o que nos fez dividir por 3 viagens. Para quem quiser evitar esta situação tem sempre a possibilidade de despachar a bicicleta através de uma das várias empresas que se publicitam em Santiago. Por menos de 50€ tem a bicicleta em casa poucos dias depois... Ainda assim, com tudo isto, acabámos por chegar cedo a Vigo e ter tempo para dar uma volta pela cidade.
No comboio Vigo - Porto vinham muitos peregrinos de bastantes nacionalidades, a conversa foi animada e o tempo custou menos a passar. De todos destaco 2 algarvios, de 57 anos cada, que depois do ano passado terem feito a Via Algarviana em BTT este ano decidiram realizar o Caminho Francês de Santiago. Fizeram mais de 850 kms em 8 dias (média de 108 kms/dia), fantástico. Parabéns!
Até chegar a casa tive ainda que mudar de comboio mais uma vez e pedalar alguns kms, poucos para quem tantos havia percorrido.
Esta viagem foi extraordinária, foi tanta informação em tão pouco tempo que vou demorar imenso a conseguir interiorizar tudo isto. Quer seja pelo gosto da actividade física (seja BTT ou caminhada), quer seja pela questão espiritual/religiosa, quer seja pela questão cultural, quer seja por todas elas, o Caminho de Santiago é uma experiência fantástica!

Comentários

Sérgio - Special Ze disse…
Parabéns pela tua crónica, mas principalmente pelo desafio que lanças-te a ti próprio, partindo sozinho do Porto em direcção a Santiago de Compostela.